Eram quase 10 horas da manhã. O sol parecia estar mais brilhante e insinuava que o dia seria perfeito para pegar a estrada e curtir as curvas de uma serra qualquer. Desci para a garagem e virei a chave -- que estranhamente fica na lateral esquerda, abaixo do painel -- da Buell Ulysses XB12X, que esquentava enquanto eu decidia qual seria o destino do dia. "Melhor não demorar", pensei, "o barulho desse V2 vai acordar os vizinhos". Estava decidido: o trajeto até Águas de Lindóia (SP) passando por Morungaba e Serra Negra teria 222 curvas me esperando.
Ainda na minha rua percebi que aquela vibração do V2 tinha praticamente sumido. Em marcha lenta, com a moto ainda na garagem, até o retrovisor tremia. Olhei para o guidão procurando os coxins que ajudariam a eliminar a vibração e fiquei surpreso ao descobrir que o guidão é fixado diretamente na mesa superior, sem qualquer dispositivo para absorver o treme-treme do motor 1200 cc. Saindo de São Paulo esse motor já me impressionava. Apesar da cilindrada, não esperava um desempenho esportivo por causa da herança da Harley-Davidson Sportster 1200. Os 103 cv de potência a 6.800 rpm não mentem. O motor é poderoso e o acelerador precisa ser tratado com suavidade, ou a frente levanta. Mesmo que o torque máximo de 11,6 kgf.m só esteja disponível a 6.000 rpm, boa parte está a postos desde 2.500 giros.
É possível trocar as marchas cedo sem perder a cavalar retomada que vem junto com uma pancada no estômago. Quando estiquei, a primeira marcha me levou a 90 km/h, com o corte da alimentação a 7.500 rpm. O calor que vinha do motor incomodava, e a ventoinha funcionava continuamente. Outra característica negativa que surgiu ainda na cidade foi a limitação de esterçamento do guidão, o que inúmeras vezes me obrigou a esperar atrás dos carros. Bastou escapar de São Paulo pela Rodovia Régis Bittencourt (BR-116) para tudo ficar melhor.
A lenda prevalece
Já viajando pela bem conservada Rodovia dos Bandeirantes a sensação era de flutuar sobre a estrada. Com velocidade entre 100 e 120 km/h não era possível sequer ouvir o ronco do motor, que neste ritmo trabalhava entre 3.000 e 3.500 rpm. Barulho de corrente, nem pensar! A transmissão secundária por correia dentada, além de silenciosa, significa menos preocupação durante a viagem. Nada de lubrificar a corrente ou ajustar a folga... O único som que me acompanhava vinha do ar passando pelo capacete, após ser deslocado pelo pequeno e útil pára-brisa. E o conforto não pára por aí. A posição de pilotagem é das melhores: o guidão ligeiramente largo e alto facilita o relaxamento dos braços.
Fácil mesmo é elogiar o banco da Ulysses. Largo, de espuma macia e formato anatômico permite ótimo encaixe do piloto. Tem revestimento antiderrapante e proporções generosas. Se por um lado o banco garante o conforto, a altura (841 mm) dificulta a vida de pessoas de menor estatura. Quem mede 1,80 m já fica no limite para encostar os pés no chão com segurança. Para mim, com 1,84 m, a viagem estava ótima. E após passar por um túnel, testar a iluminação do farol e comprovar que o ronco do motor mal produziu eco, tive certeza que continuaria assim até a volta.
A curiosidade pela Buell Ulysses tem uma razão simples. A big trail da marca não tem o entre-eixos curtíssimo (1.374 mm) e o centro de gravidade tão baixo quanto de modelos como a Lightning (1.321 mm), que fazem a fama da marca como a campeã das curvas. A vocação estradeira também se reflete em suspensões completamente reguláveis e de longo curso, com 165 mm na dianteira e 162 mm na traseira. As suspensões da Lightning têm curso de 120 mm na dianteira e 129 mm na traseira, apenas para servir de parâmetro. Na prática, as suspensões da Ulysses são mais valentes para enfrentar os buracos e o entre-eixos maior se reverte em ganho de estabilidade nas retas. Entretanto, não pense que o desempenho nas curvas foi comprometido. Para uma big trail o centro de gravidade é de fato baixo e os pneus de medidas esportivas (120/17 na dianteira e 180/17 na traseira) permitem à moto acompanhar com facilidade nakeds e até esportivas. Para espanto de seus pilotos, que viam aquela grandalhona amarela sempre próxima pelo retrovisor e as vezes até sumir na frente.
Meia-volta
Depois de percorrer pouco mais de 150 km até a cidade de Amparo (SP), o cenário finalmente mudava. As largas e retas rodovias davam lugar a uma sinuosa estrada repleta de curvas. Local muito visitado por motociclistas de todo o País, atraídos pelas intermináveis curvas de serra que atravessam quatro cidades: Morungaba, Serra Negra, Lindóia e Águas de Lindóia. Diversão para quem gosta de acelerar e para aqueles que buscam o ar puro e as belas paisagens serranas.
A 8 km da divisa de São Paulo com Minas Gerais, Águas de Lindóia é cercada por montanhas e formações rochosas como o Morro Pelado, com 1.400 m de altitude, além de oferecer atrativos como a deliciosa culinária mineira e o turismo rural. Seria a cerejinha do bolo, afinal, o que me interessava era o caminho até lá.
Em curvas de qualquer raio a Ulysses demonstrava uma obediência incrível, e assim seguiu, sempre estável. É como estar numa montanha-russa, com o vagão sempre grudado nos trilhos. O ataque às curvas e as mudanças bruscas de direção eram feitos com um controle que invejava os companheiros das esportivas.
Quando foi preciso, o sistema de freio dianteiro da Buell chamou atenção. Não apenas pela excêntrica fixação no aro ou os exagerados 375 mm de diâmetro, mas porque basta acionar o manete para a pinça de seis pistões comprovar a eficiência do sistema, muito além da estética. Um dedo era suficiente para uma frenagem segura. O freio traseiro possui um disco fixado de forma tradicional, com 240 mm e pinça simples. Na serra os freios foram constantemente requisitados e não apresentaram fadiga em nenhum momento.
"Já?" Um rapaz me olhava de um jeito esquisito enquanto eu falava sozinho. Não contive a expressão de surpresa quando encostei a moto ao lado do portal de Águas de Lindóia para fotografar. Se a viagem foi realmente rápida ou o conforto me fez esquecer do tempo, não sei. O caminho até lá foi mais divertido do que imaginei e, pode acreditar, dei meia-volta para descer e subir a serra novamente antes de almoçar na cidade.
Aqui se faz, aqui se paga
A relação de transmissão longa e o V2 com boa parte do torque disponível a baixa rotação são bons companheiros de viagem. Viajando a até 120 km/h o motor trabalha próximo de 3.500 rpm, o que permite o consumo de 21,5 km/l. O consumo mínimo durante o teste foi de 12,7 km/l, quando exigido um comportamento esportivo da moto. A capacidade de 16,7 litros do tanque significa uma autonomia de cerca de 350 km. A velocidade máxima foi de 228 km/h
Opinião
Um conjunto de estilo inconfundível, suspensões e freios eficientes e muito torque. Assim pode ser resumida a Buell Ulysses. Em meio a tantas qualidades tenho que ressaltar os defeitos: o peso de 193 kg compromete a agilidade na cidade, o limite de esterçamento do guidão dificulta as manobras e, por ter um motor de 1200 cc, acredito que falta potência (praticamente a mesma da Hornet, mas com o dobro da cilindrada).