Em vigor desde terça-feira em Porto Alegre, a lei que proíbe motociclistas de usar capacete quando não estiverem rodando pelas ruas depende de um decreto para funcionar na prática.
Sancionada pelo prefeito José Fogaça como um instrumento para ajudar a segurança pública, o texto original é curto - tem apenas quatro artigos - e não especifica como será a fiscalização e qual o valor da multa para quem desrespeitar a norma.
A lei busca reduzir o risco de assalto praticado por ladrão com o rosto encoberto pelo capacete, mas gera controvérsia entre usuários de motos.
O vereador José Ismael Heinen (DEM), autor da proposta, disse que o espírito da lei é proteger estabelecimentos de pequeno e médio porte.
- As grandes empresas têm portaria com sistema de vigilância e não permitem a entrada de pessoas com capacetes. Com a lei, isso também vai valer para as padarias, as farmácias e as bancas de revistas, que estão mais expostas aos riscos de assaltos.
A iniciativa é apoiada por empresários e funcionários de comércios.
- Acho muito boa. Espero que reduzam os roubos - comentou João Rodrigues, vice-presidente do Sindicato dos Lojistas do Comércio de Porto Alegre (Sindilojas).
Tobias de Oliveira, frentista de um posto de combustíveis da Avenida Farrapos, no bairro Floresta, opinou:
- Com a lei, será mais fácil convencer o motoqueiro a tirar o capacete.
Para a Associação dos Motociclistas do Rio Grande do Sul (Amors), a lei é "preconceituosa por dar conotação que todo motoqueiro é bandido".
- Até amanhã, entraremos com uma ação no Ministério Público contestando a lei - afirmou Leandro Balardin, presidente da Amors.
Nas ruas, a nova regra divide opiniões entre motociclistas.
- Acho perda de tempo. Eu estou sempre correndo atrás do relógio. O bandido que for assaltar não vai tirar o capacete - reclamou o motoboy Marino da Fontoura, 54 anos.
O instalador de acessórios automotivos Édison Luís da Silva sempre tira o capacete ao abastecer.
- Quem não deve nada não tem motivo para esconder o rosto - observou Silva, enquanto era atendido no posto Jardim Itália, na Avenida Sertório, na zona norte da Capital.
Por causa de um assalto, em que um frentista foi ferido a coronhadas, no final do ano passado, o posto colocou cartazes nas bombas solicitando que motoqueiros mostrem o rosto.
- De lá para cá nunca mais fomos assaltados - garantiu o frentista Eriberto Rodrigues, 33 anos.
A norma O que diz a Lei nº 10.398:
- Condutores e passageiros de motos que circulam pelas ruas da Capital ficam proibidos de usar capacetes sempre que estiverem estacionados e que ingressarem em estabelecimentos públicos e privados
- Antes de ingressar em postos, motoristas e passageiros são obrigados a retirar os capacetes já na calçada
- Cabe aos estabelecimentos públicos e privados afixar cartazes informativos com o número da lei e a seguinte frase: "Proibido o uso de capacete para ingresso e permanência neste local"
- Quem desrespeitar a lei será notificado e multado
Tire suas dúvidas
O que está proibido?
Entrar ou permanecer em estabelecimentos públicos e privados usando capacete.
Qual o procedimento em posto de combustíveis?
O condutor e o caroneiro deverão retirar o capacete na calçada, antes e ingressar no posto.
O que acontece com quem desrespeitar a norma?
A lei prevê multa. O valor será estipulado por um decreto que será editado para regulamentar a lei. Não há prazo para a elaboração do decreto.
Como será a fiscalização?
Não haverá fiscalização enquanto não for editado o decreto de regulamentação que vai definir o órgão responsável pelo serviço. A assessoria de comunicação da prefeitura informa que, quem flagrar uma situação irregular, deverá chamar a Brigada Militar.
Como os motociclistas serão alertados sobre a regra?
Deverá ser afixado cartaz informativo nos pontos de entrada dos estabelecimentos.
A eficácia
Legislação oferece pontos a favor e outros contra, segundo especialistas. Confira:
Vantagens
Pode inibir a ação de criminosos que temam ser identificados pelas vítimas ou por circuitos internos de TV
Auxilia na identificação de assaltantes que estejam em motocicletas mas sem capacete
O ladrão terá obrigatoriamente de tirar o capacete para entrar no prédio em portarias onde o primeiro contato entre visitante e porteiro é feito por interfone
Desvantagens
Em lugares menos protegidos, como postos de combustíveis, os criminosos podem continuar assaltando sem tirar o capacete, aproveitando a mobilidade e a velocidade características desse tipo de veículo
Alguns assaltantes despreocupados com uma possível identificação podem tirar o capacete, se passando por cliente, e, desta forma, surpreender a vítima
Não evita o ataque a pedestres
Fonte: Arildo Pegoraro Rego, especialista em segurança patrimonial e professor da Pontifícia Universidade Católica e coronel Paulo Roberto Mendes, subcomandante-geral da BM
O que diz Mercedes Rodrigues, procuradora do município
A lei é de iniciativa do legislativo municipal e foi sancionada pelo prefeito devido à relevância do assunto. Quando o assunto é de interesse público local, o município tem competência para legislar. E é esse um caso. Com a sanção, começa agora uma tarefa que compete ao município: deliberar sobre alguns pontos que permanecem obscuros, como quem fará a fiscalização e quais os valores das multas. Não há prazo para essa regulamentação, mas é interesse do município fazer essa análise logo, para que a lei possa ser realmente aplicada.
Pelo Estado
Outros municípios gaúchos já adotaram a prática de impedir o uso do capacete em locais públicos:
PASSO FUNDO - Uma lei de 2006 proíbe a entrada de motociclistas em estabelecimentos comerciais e repartições públicas com capacete. A medida, proposta pela Câmara de Vereadores, recebeu apoio do comércio local. De acordo com o sargento da Brigada Militar Osmar Toazza, houve uma diminuição no número de ocorrências envolvendo bandidos que usam o capacete para ocultar o rosto em assaltos a lojas, bancos ou lotéricas.
NOVO HAMBURGO - Uma lei de 2007, também apresentada pela Câmara de Vereadores, tentava restringir o uso de capacetes dentro de comércios e repartições públicas. Na época, a prefeitura vetou o projeto. O veto foi depois derrubado pelo Legislativo. O procurador do município, José Bortolini, diz que a prefeitura deve entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, argumentando que a medida fere alguns direitos dos cidadãos. Nas ruas, a opinião é de que esse tipo de medida pode ajudar a inibir a ação de criminosos.
RIO GRANDE - A Câmara de Dirigentes Lojistas realizou uma campanha distribuindo cartazes em lojas e postos de combustíveis, alertando os motociclistas a não ingressarem nas dependências vestindo capacete.
Segundo o delegado Elione Lopes, a medida auxiliou na conscientização de quem trabalha com moto, mas não inibe a ação dos bandidos. Ele cita o exemplo de um incidente no fim de semana, quando houve um assalto à mão armada, com troca de tiros entre polícia e assaltantes em um minimercado, no Cassino. Os bandidos usavam capacete.